Uma frase proferida recentemente, em discurso público, gerou controvérsia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em comício realizado em Camaçari, na Bahia, afirmou que “ninguém foi mais de esquerda do que Jesus Cristo”. Com o devido respeito, houve distorção tanto em relação à religião quanto à política.
Em um primeiro olhar, a tentativa em conectar valores cristãos a ideais de esquerda pode ser vista como estratégia para uma aproximação com eleitores religiosos, num país em que o cristianismo desempenha um papel importante na formação cultural. No entanto, essa abordagem não só simplifica a complexidade das doutrinas religiosas, como também banaliza o próprio cristianismo ao utilizá-lo como ferramenta para um alinhamento ideológico.
Comparar Jesus Cristo, figura central do cristianismo e símbolo de fé e espiritualidade para milhões, com qualquer corrente política, seja de esquerda ou de direita, é perigoso e insensato. Cristo pregava o amor ao próximo, a solidariedade e o desprendimento material. Sua mensagem transcendia qualquer agenda política. Distorcer o contexto pode ensejar oportunismo político e ainda configurar desrespeito a fé de muitos brasileiros.
Ao descrever Jesus como “mais de esquerda”, fica ignorada não apenas a neutralidade religiosa, mas também o papel essencial da pluralidade democrática. O discurso polarizador fere o debate público saudável ao reduzir conceitos complexos como “esquerda” e “direita” a uma questão de moralidade absoluta.
Insinuar que ser de esquerda é sinônimo de bondade, generosidade e altruísmo, deixando implícito que quem não se alinha a essa ideologia estaria distante dos ensinamentos cristãos é algo que ultrapassa a fronteira do bom senso e da verdade. Esse tipo de colocação não só é rasa e frágil, como promove uma visão que polariza ainda mais a nossa sociedade.
Lamentavelmente, há uma tendência crescente de líderes políticos, não só no Brasil, utilizarem a religião como arma retórica para consolidar poder. Esse tipo de postura tem sido adotado, misturando crenças religiosas com programas de governo.
A maior figura religiosa do Cristianismo não pode ser levada a um lugar que não lhe é próprio. A tentativa de redefinir a imagem de Cristo para servir a interesses políticos levanta preocupações quanto à instrumentalização da fé.
Os ensinamentos cristãos devem servir como balizamento para uma vida justa, digna e honesta e não para ganhos políticos. A simplificação de uma história verdadeira e tão reverenciada mostra o quão frágeis podem ser as fronteiras entre religião e política, ainda mais em tempos de polarização. Não cabem considerações e interpretações que extrapolem limites.